quarta-feira, 4 de maio de 2011

Introdução

Este blogue, é uma breve antologia constituída por 5 poemas de poetas de língua portuguesa do século XX.
Escolhi como critério, para a minha antologia : " sentimentos da adolescência" ; pois achei interessante enquadrar   os poemas que encontrei na vida dos adolescentes, na nossa vida.
Em termos de estrutura, este blogue é constituído por 5 poemas, cada uma acompanhado por um comentário e uma imagem que pretende traduzir o sentimento transmitido no poema. 
E os poemas estão ordenados pela ordem crescente da minha preferência. 
Espero que gostem !
  

Coisas, Pequenas Coisas

Fazer das coisas fracas um poema. 

Uma árvore está quieta, 
murcha, desprezada. 
Mas se o poeta a levanta pelos cabelos 
e lhe sopra os dedos, 
ela volta a empertigar-se, renovada. 
E tu, que não sabias o segredo, 
perdes a vaidade. 
Fora de ti há o mundo 
e nele há tudo 
que em ti não cabe. 

Homem, até o barro tem poesia! 
Olha as coisas com humildade. 

Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"




Liberdade



Ai que prazer 
Não cumprir um dever, 
Ter um livro para ler 
E não fazer! 
Ler é maçada, 
Estudar é nada. 
Sol doira 
Sem literatura 
O rio corre, bem ou mal, 
Sem edição original. 
E a brisa, essa, 
De tão naturalmente matinal, 
Como o tempo não tem pressa... 

Livros são papéis pintados com tinta. 
Estudar é uma coisa em que está indistinta 
A distinção entre nada e coisa nenhuma. 

Quanto é melhor, quanto há bruma, 
Esperar por D.Sebastião, 
Quer venha ou não! 

Grande é a poesia, a bondade e as danças... 
Mas o melhor do mundo são as crianças, 

Flores, música, o luar, e o sol, que peca 
Só quando, em vez de criar, seca. 

Mais que isto 
É Jesus Cristo, 
Que não sabia nada de finanças 
Nem consta que tivesse biblioteca... 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"





Falo de Ti às Pedras das Estradas

Falo de ti às pedras das estradas, 
E ao sol que e louro como o teu olhar, 
Falo ao rio, que desdobra a faiscar, 
Vestidos de princesas e de fadas; 

Falo às gaivotas de asas desdobradas, 
Lembrando lenços brancos a acenar, 
E aos mastros que apunhalam o luar 
Na solidão das noites consteladas; 

Digo os anseios, os sonhos, os desejos 
Donde a tua alma, tonta de vitória, 
Levanta ao céu a torre dos meus beijos! 

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço, 
Sobre os brocados fúlgidos da glória, 
São astros que me tombam do regaço! 

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"



Amizade

Ser-se amigo é ser-se pai 
( — Ou mais do que pai talvez...) 
É pôr-se a boca onde cai 
A nódoa que nos desfez. 

É dar sem receber nada, 
Consciente da prisão, 
Onde os nossos passos vão 
Em linha por nós traçada... 

É saber que nos consome 
A sede, e sentirmos bem 
O Céu, por na Terra, alguém 
Rir, cantar e não ter fome. 

É aceitar a mentira 
E achá-la formosa e humana 
Só porque a gente respira 
O ar de quem nos engana. 

Pedro Homem de Mello, in "Miserere"



Encontro

Felicidade, agarrei-te 
Como um cão, pelo cachaço! 
E, contigo, em mar de azeite 
Afoguei-me, passo a passo... 
Dei à minha alma a preguiça 
Que o meu corpo não tivera. 
E foi, assim, que, submissa, 
Vi chegar a Primavera... 
Quem a colher que a arrecade 
(Há, nela, um segredo lento...) 
Ó frágil felicidade! 
— Palavra que leva o vento, 
E, depois, como se a ideia 
De, nos dedos, a ter tido 
Bastasse, por fim, larguei-a, 
Sem ficar arrependido... 

Pedro Homem de Mello, in "Eu Hei-de Voltar um Dia"